Uma Ética Feminista-Vegetariana:
Uma entrevista com Carol J. Adams
Witness Magazine
95, nº 9 (Setembro de 2002), págs. 10-13
Carol Adams é uma teologista ecofeminista, escritora e ativista que trabalhou extensivamente nos campos da violência doméstica e defesa animal.
The Witness: Como você vê as conexões entre a opressão dos animais e a opressão das mulheres e outros seres humanos?
Carol Adams: Nós frequentemente exibimos uma ansiedade sobre o que definimos como humano, e, historicamente, a cultura ocidental controlou essa definição de forma bem firme. Por muito tempo o que foi humano foi realmente o homem branco. Há uma historiadora feminista que disse que o período de tempo depois da revolução estado-unidense foi um período muito traumático para as mulheres, porque havia toda essa conversa sobre direitos humanos e no entanto os direitos da mulher estavam retrocedendo durante esse tempo. Humano era definido como homem, e implicitamente estava definido como branco.
Nós temos movimentos que tentam expandir a definição de humano porque o reconhecimento é que quando uma coisa é definida como não humana ela não deve ser levada a sério – ela pode ser abusada, ela pode ser maltratada. Quando eu vejo o lema “Feminismo é a noção radical de que mulheres são seres humanos”, eu não consigo concordar com ele. Eu não quero simplesmente redefinir humano para incluir mulheres. Eu quero problematizar a definição de humano, e especialmente o ponto de vista teológico que há Deus, nós seres humanos e todo o resto nesta hierarquia. Segundo, nós não podemos aceitar a noção de que os fins justificam os meios. E me parece que ambos o onivorismo e a opressão de outras pessoas se justificam porque o resultado final é algo que as pessoas querem. Em As Políticas Sexuais da Carne, eu falei sobre a estrutura do referencial ausente, que animais se tornam ausentes do onivorismo porque são mortos. E eles são feitos ausentes conceitualmente – as pessoas realmente não querem ser lembradas de que estão comendo uma vaca morta, um carneiro esquartejado, um porco massacrado. E o referencial ausente então se torna uma coisa que flutua livremente. Por exemplo, carne se torna uma metáfora para o que acontece com as mulheres. Outros seres que não possuem grande consideração podem ser igualmente vitimizados pela dicotomia meios/fins. Terceiro, eu sou contra a violência. Faça o menor mal possível. Opressão requer violência e implementos de violência, e esta violência geralmente envolve três coisas: objetificação de um ser, para que o ser seja visto como um objeto ao invés de um ser vivo, capaz de respirar e sofrer; fragmentação, ou esquartejamento, para que a existência do ser como um ser completo seja destruída de uma forma ou de outra; e então o consumo - ou o consumo literal do animal não-humano, ou o consumo da mulher fragmentada através da pornografia, da prostituição, do estupro e da agressão. Então eu vejo uma estrutura que cria o direito de abusar porque dentro da estrutura do referencial ausente os estados de objetificação e fragmentação desaparecem e o objeto consumido é experimentado sem um passado, sem uma história, sem uma biografia, e sem uma individualidade.
TW: Muitas pessoas hoje, especialmente com o crescimento do movimento ambientalista, diriam que não podemos maltratar a Terra ou criaturas não-humanas – mas elas veriam a cadeia alimentar como uma coisa natural ou divinamente ordenada, e não veriam animais comendo animais e seres humanos comendo animais não-humanos como maus-tratos.
CA: Eu acho que terminamos com dois problemas dentro de círculos religiosos. Onivorismo é tanto naturalizado quanto espiritualizado. Isso aconteceu na Academia Americana de Religião (AAR), onde nós fizemos o primeiro painel sobre animais há vários anos atrás. O que foi profundo sobre a experiência foi que os argumentos que eu ouvi das pessoas lá – as professoras – foram os mesmos argumentos que eu ouço quando estou em estações de rádios aqui no Texas. Quando se trata de animais, o nível de engajamento e reflexão é muito pouco desenvolvido.
Então o onivorismo é naturalizado. Há duas coisas que temos que responder aqui. Uma é que, supostamente, nós seres humanos podemos comer animais porque somos diferentes dos animais – e então, de repente, a justificativa para comer estes animais não-humanos é que outros animais não-humanos o fazem. Nos tornamos inconsistentes.
Segundo – e eu acho que isso é parte da cultura patriarcal – nós não apenas elevamos simbolicamente carnívoros em nossa cultura, nós elevamos aqueles que são chamados carnívoros de topo, carnívoros que na verdade comem outros carnívoros. A maioria dos onívoros come animais herbívoros. Seres humanos são um bom exemplo – nós comemos vacas, carneiros, etc. Entretanto, nós elevamos leões e águias em uma mitologia cultural – seres carnívoros que na verdade são mais carnívoros do que nós somos. O fato é, menos de 6 porcento dos animais realmente são carnívoros. Nós temos tanta superabundância de exemplos carnívoros em volta – programas naturais celebram o carnívoro – que nós temos uma visão limitada do porquê realmente os outros animais morrem. A maioria dos outros animais não morre comida por carnívoros.
Agora há algumas pessoas – ecologistas e ambientalistas – que dizem que querem usar tudo e que agradecem o animal pelo sacrifício, etc. Eu sinto que isso tem uma tendência de usar a linguagem de sacrifício que o Cristianismo meio que santificou sem nunca ter dito, bem, que talvez seja nossa vez de nos sacrificarmos. Por que é que todos esses anos somente os animais não-humanos devem se sacrificar para os seres humanos? Talvez seja a vez dos seres humanos se sacrificarem aos não-humanos não comendo-os. E segundo, como nós sabemos se esses animais querem ser sacrificados – especialmente se esse argumento está vindo de alguém que não é um caçador? Eles usam – de uma forma eles abusam – um relacionamento nativo com animais. De todas as formas nativas de se relacionar com animais não-humanos, as únicas que são trazidas à cultura dominante são as que podem ser usadas para justificar o que nós já estamos fazendo. Há várias culturas nativas que não comiam animais.
Quando nós estávamos no AAR alguém levantou e disse “É um mundo onde cão come cão.” Bem, minha resposta é não, não é, cães não estão comendo cães. Andrew Linzey, que foi pioneiro neste campo, perguntou “Jesus não veio mudar o mundo? Se somos cristãos, por que aceitamos que é um mundo onde cão come cão em qualquer de nossos relacionamentos?”
E se o argumento naturalizante não funciona, então o argumento espiritualizante entra em cena: “Bem, nos deram domínio, não somos como os outros animais. Mas o que é esse domínio? O domínio em Gen. 1:26 é garantido dentro de um mundo vegano.”
As pessoas espiritualizam e naturalizam porque não querem mudar. Você poderia facilmente espiritualizar e naturalizar um argumento completamente diferente.
TW: Você advogou uma ética de cuidado, ao invés de direitos animais. Como isso é diferente?
CA: Bem, minha preocupação quanto à linguagem de direitos animais é que ela vem do mesmo quadro filosófico que nos deu uma diferenciação entre o que era homem/humano e todo o resto. A linguagem de direitos universais é parte da noção do homem iluminista, que era um ser autônomo separado de todo o resto. Na verdade, ninguém é autônomo. Primeiro nós aprendemos em um relacionamento. Aprendemos a andar e aprendemos a falar em relacionamentos. Então a ética do cuidado critica a noção do homem autônomo sobre a qual o direito fundamental é baseado.
Mas, em segundo lugar, a linguagem dos direitos animais veio de uma necessidade de provar que não somente ela não era emocional, mas também masculina. Nós não estamos nos chateado pelos animais não-humanos, não é tão perturbador – é a coisa certa a fazer. E algumas e alguns de nós viemos e dizemos que é perturbador. Se chatear é uma forma legítima de conhecimento. Por que não podemos confiar na raiva e nas outras emoções que sentimos quando ouvimos sobre galinhas sendo debicadas e bezerros de vitela sendo removidos de suas mães em menos de 24 horas? Por que não podemos nos indignar e preocupadamente verdadeiramente informar quem nós somos como pessoas?
As pessoas retrucam dizendo que estamos dizendo que as mulheres se preocupam mais que os homens. Não, nós estamos dizendo que uma forma de pensamento identificada como masculina triunfou sobre uma forma de resposta e pensamento identificada como feminina.
TW: Parte do seu argumento é que nos dissociamos do animal que estamos comendo, e que não o vemos porque o transformamos em “carne”. Mas há outro tipo de argumento que diz que o problema verdadeiro é que nos separamos da fazenda, por exemplo, e de morar perto da terra. Nos separamos de todas essas realidades naturais, e se nos sentimos mal quando pensamos sobre isso é apenas um tipo de sentimentalismo porque fazendeiros ou caçadores não se sentem mal. Algumas pessoas no movimento dos homens sentiram que elas deviam sair e matar um veado quase como um ritual.
CA: E qual o problema em ser sentimental? Isso se remete à ética do cuidado. Talvez sentimento seja o que precisamos. Se há algo que te deixa desconfortável, talvez você não deva conformar suas emoções ao que a cultura está te dizendo, mas conformar a cultura ao que as suas emoções estão te dizendo, que é que há algo errado aqui. Eu cresci em uma comunidade fazendeira. Eu assisti a matança quando criança. Foi permitido a minha irmã mergulhar o porco morto em água fervente e havia um certo tipo de fascinação gótica ali. E eu ia para casa e comia carne – havia uma completa desconexão. Nós estávamos fascinadas, mas aqueles animais eram outros, aqueles animais eram seres objetificados. É um processo violento – e a maioria dos animais não são mortos na fazendo, eles são mortos de uma maneira horrível.
E eu acho que esta idéia de “vira homem” é exatamente o que, como cristãos, nós desafiamos. Qual o menor verso na Bíblia? “Jesus chorou.” O que Jesus fez no templo? O que estava acontecendo no templo? Animais estavam sendo vendidos, pelo amor de Deus. Jesus estava com raiva por causa de várias coisas, mas talvez uma delas fosse que outros seres estavam sendo vendidos ali.
TW: Você vê vegetarianismo como um caminho espiritual?
CA: Para mim, fazer o menor mal possível é um caminho muito espiritual e um caminho com integridade. As pessoas pensam que irão se machucar se desistirem da carne – há alguma natureza protetora lá que as impede de ligar os pontos sobre o bem-estar e a saúde humana e ambiental. Seria útil para as pessoas sentirem que estar em um caminho espiritual inclui interagir com a mudança, mesmo no nível mais básico do que elas vão comer. Vida espiritual é uma vida de abundância, mas quando se trata de onivorismo, as pessoas acham que vão experimentar escassez. A coisa mais importante que veganas e veganos podem fazer é simplesmente levar uma vida de abundância.
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