quarta-feira, 28 de maio de 2008

Carol J. Adams - A Construção Social de Corpos Comestíveis e Seres Humanos como Predadores

Ecofeminism and the Eating of Animals. Hypathia, No. 6, 1991, pp. 134-137.

Tradução: Coletivo Madu


Nós somos predadores ou não somos? Em uma tentativa de nos ver como seres naturais, algumas pessoas argumentam que seres humanos são simplesmente predadores como alguns outros animais. Vegetarianismo é então visto como não natural, enquanto o carnivorismo dos outros animais é transformado em paradigmático. Direitos animais são criticados “porque não entendem que uma espécie apoiando ou sendo apoiada por outra é a forma natural de sustentação da via” (Ahlers 1990, 433). As desanalogias mais profundas com animais carnívoros permanecem intocadas porque a noção de seres humanos como predadores é consoante com a idéia de que precisamos comer carne. De fato, o carnivorismo é verdadeiro para apenas 20 por cento dos animais não-humanos. Podemos realmente generalizar desta experiência e alegar sabermos precisamente qual é a “forma natural”, ou podemos extrapolar o papel dos seres humanos de acordo com este pardigma?


Algumas feministas argumentam que comer animais é natural porque nós não temos os estômagos duplos dos herbívoros ou dentes trituradores chatos e porque chimpanzés comem carne e a consideram uma iguaria (Kevles 1990). Este argumento da anatomia envolve filtração seletiva. De fato, todos os primatas são primariamente herbívoros. Apesar de alguns chimpanzés terem sido observados comendo carne morta – no máximo, seis vezes ao mês – alguns nunca comem carne. Corpos mortos constituem menos de 4 por cento da dieta do chimpanzé; muitos comem insetos, e eles não comem laticínios (Barnard 1990). Isto soa como a dieta dos seres humanos?


Chimpanzés, como a maioria dos animais carnívoros, são aparentemente melhor adaptados a capturar animais do que seres humanos são. Nós nos movimentamos muito mais devagar que eles. Eles tem dentes caninos de longa projeção para rasgar pele; todos os hominóides perderam seus caninos de longa projeção há 3,5 milhões de anos atrás, aparentemente para permitir mais ação esmagadora consistente com uma dieta de frutas, folhas, nozes, verduras e legumes. Se nós conseguirmos capturar presas animais nós não poderemos rasgar suas peles. Quando seres humanos viviam forrageando e óleo era raro, a carne de animais mortos era uma boa fonte de calorias. Pode ser que o aspecto de “iguaria” da carne tenha a ver com uma habilidade de reconhecer fontes densas de calorias. Entretanto, nós não mais temos necessidade de fontes tão densas de calorias como gordura animal, já que nosso problema não é a falta de gordura mas gordura demais.


Quando se argumenta que comer animais é natural, se presume que devermos continuar consumindo animais porque isto é o que nós requeremos para sobreviver, sobreviver de uma forma consoante com uma vida desimpedida por limitações culturais artificiais que nos privam da experiência de nosso eu verdadeiro. Mas como sabemos o que é natural quando se fala em alimentação, tanto por causa da construção social da realidade e do fato de que nossa história indica uma mensagem muito confusa sobre comer animais? Algumas pessoas o fizeram; a maioria não o fez, pelo menos a algum alto grau.


O argumento sobre o que é natural – ou seja, de acordo com seu significado, não culturalmente construído, nem artificial, mas algo que no retorna ao nosso eu verdadeiro – aparece em um contexto diferente que sempre atiça as suspeitas de feministas. Frequentemente é argumentado que a subordinação da mulher ao homem é natural. Este argumento tenta negar a realidade social através da apelação ao “natural”. O argumento do predador “natural” igualmente ignora a construção social. Já que comemos cadáveres de uma maneira bem diferente do que os outros animais – desmembrados, não mortos frescos, não crus, e com outros alimentos presentes – o que o faz natural?


Carne é uma construção social criada para parecer natural e inevitável. Na época em que o argumento da analogia com animais carnívoros é feita, o indivíduo fazendo tal argumento provavelmente consumiu animais desde antes do tempo em que ela ou ele podia falar. Racionalizações para o consumo de animais foram provavelmente oferecidas quando este indivíduo à idade de quatro ou cinco anos estava desconfortável com a descoberta de que a carne vem de animais mortos. O gosto do corpo morto precedeu as racionalizações, e ofereceu uma forte fundação para acreditar que as racionalizações eram verdadeiras, e pessoas nascidas nas últimas décadas enfrentaram o problema adicional de que, enquanto cresciam, carne e laticínios haviam sido canonizados como dois dos quatro grupos alimentares básicos. (Isto ocorreu nos anos 1950 e resultaram de pressões da indústria de laticínios e da carne. Na virada do século haviam doze grupos alimentares básicos.) Logo, indivíduos que não haviam experimentado gratificação no paladar ao comer animais podiam verdadeiramente acreditar no que lhes disseram interminavelmente desde a infância – que animais mortos são necessários para a sobrevivência humana. A idéia de que comer carne é natural se desenvolve neste contexto. Ideologia faz o artefato parecer natural, predestinado. De fato, a ideologia em si mesma desaparece perante a farsa de que esta é uma “questão alimentar”.


Nós interagimos com animais individuais diariamente se os comemos. Entretanto, esta afirmação e suas implicações são reposicionadas para que o animal desapareça e seja dito que estamos interagindo com uma forma de comida que foi nomeada “carne”. Em As Políticas Sexuais da Carne, eu chamo este processo conceitual no qual o animal desaparece de estrutura do referencial ausente. Animais em nome e corpo são feitos ausentes como animais para que a carne exista. Se animais estão vivos eles não podem ser carne. Logo, um cadáver substitui o animal vivo e animais se tornam referenciais ausentes. Sem animais não haveria consumo de carne, no entanto eles estão ausentes do ato de comer carne porque eles foram transformados em comida.


Animais são feitos ausentes através da linguagem, que renomeia cadáveres antes que consumidores e consumidoras participem em comê-los. O referencial ausente nos permite esquecer do animal como uma entidade independente. O assado no prato é desencorporado do porco o qual ela ou ele um dia foi. O referencial ausente também nos permite resistir a esforços para fazer animais presentes, perpetuando uma hierarquia meios-fins.


O referencial ausente resulta de e reforça o cativeiro ideológico: a ideologia patriarcal estabelece o padrão cultural de humano/animal, cria critérios que posicionam a diferença de espécie como importante em considerar quem pode ser meio e quem pode ser fim, e então nos doutrina a acreditar que precisamos comer animais. Simultaneamente, a estrutura do referencial ausente mantém animais ausentes de nosso entendimento da ideologia patriarcal e nos torna resistentes a ter animais feitos presentes. Isto significa que nós continuamos a interpretar animais da perspectiva de interesses e necessidades humanas: nós os vemos como usáveis e consumíveis. Muito do discurso feminista participa desta estrutura ao falhar em tornar os animais visíveis.


Ontologia recapitula a ideologia. Em outras palavras, a ideologia cria o que parece ser ontológico: se mulheres são ontologizadas como seres sexuais (ou estupráveis, como algumas feministas argumentam), animais são ontologizados como transportadores de carne. Ao ontologizar mulheres e animais como objetos, nossa linguagem simultaneamente elimina o fato de que outra pessoa está agindo como sujeito/agente/perpetrador de violência. Sarah Hoagland demonstra como isto funciona: “João violentou Maria,” se torna “Maria foi violentada por João,” então “Maria foi violentada”, e finalmente “mulher violentada,” e logo “mulheres violentadas” (Hoagland 1988, 17-18). Lembrando violência contra mulheres e a criação do termo “mulheres violentadas,” Hoagland observa que “agora algo que os homens fazem a mulheres se tornou, pelo contrário, parte da natureza da mulher. E nós perdemos consideração de João inteiramente.”


A noção do corpo animal como comestível ocorre em uma maneira similar e remove a atuação de seres humanos que compram animais mortos para consumi-los: “Alguém mata animais para comer seus corpos como carne,” se torna “animais são mortos para serem comidos como carne,” então “animais são carne,” e finalmente “animais de carne,” logo “carne”.


Algo que fazemos aos animais se torna, pelo contrário, algo que é parte da natureza dos animais, e nós perdemos consideração de nosso papel inteiramente.


Referências


Ahlers, Julia. Thinking like a mountain: Toward a sensible land ethic. Christian Century (April 25): 433-34.

Barnard, Neal. 1990. The evolution of the human diet. In The power of your plate. Summertown, TN: Book Publishing Co.

Hoagland, Sarah Lucia. 1988. Lesbian ethics: Toward new values. Palo Alto, CA: Institute for Lesbian Studies.

Kevles, Bettyann. 1990. Meat, morality and masculinity. The Women's Review of Books (May): 11-12.

domingo, 18 de maio de 2008

Gary Francione - Educação Vegana Facilitada – Parte 2

Recentemente me perguntaram a seguinte questão: “O que se diz a pessoas que são veganas e que educam outras sobre veganismo mas que também estão preocupadas quanto a circos, caça e outras formas particulares de exploração animal? Você aconselha que elas nem mesmo toquem nesses assuntos e simplesmente foquem em veganismo?”

É claro que não.

Certamente é verdade que eu não aconselho que defensoras e defensores gastem seu tempo e recursos em uma campanha de assunto único. A razão é simples: campanhas de assunto único invariavelmente passam a impressão de que algumas formas de exploração animal são moralmente diferenciáveis de outras e são piores e deveriam ser abordadas separadamente para uma crítica especial. Por exemplo, uma campanha contra o uso de peles passa a impressão de que há alguma diferença moralmente relevante entre pele e outras formas de vestimenta animal, como couro ou lã. Uma campanha contra o consumo de carne animal passa a impressão de que comer carne é moralmente mais deplorável que beber leite ou comer ovos. Uma campanha contra ovos de granjas tradicionais sugere que ovos “caipiras” são moralmente desejáveis.

Este problema é inerente com campanhas de assunto único em uma sociedade em que a exploração animal é tida como normal. Se X, Y e Z são todas consideradas práticas normais em uma sociedade e estão fortemente relacionadas, então uma campanha contra X, mas não contra Y e Z, sugere que há alguma diferença relevante entre X de um lado e Y e Z de outro. Por exemplo, vivemos em uma sociedade na qual é considerado normal ou “natural” comer carne animal e outros produtos animais. Uma campanha que foque em carne passa a impressão de que há uma diferença moral entre carne e outros produtos animais, o que não é o caso. A prova disto é encontrada no fato de que muitas pessoas envolvidas na causa animal são vegetarianas mas não veganas. Se elas vêem distinção, então o que podemos esperar do público em geral?

Esta situação deve ser diferenciada de uma em que X, Y e Z são todas resguardadas como atividades ou práticas objetáveis. Por exemplo, todas e todos nós reconhecemos genocídio como uma coisa ruim, esteja ele acontecendo em Darfur, Somália ou Bósnia. Se nós temos uma campanha para parar o genocídio em Darfur, isto não significa que nós achamos que o genocídio em outros lugares é aceitável. Nós reconhecemos o estupro e a pedofilia como moralmente objetáveis. Uma campanha contra um não implica qualquer aprovação tácita do outro ou qualquer visão que um é moralmente diferençável do outro.

Este problema inerente com campanhas animais de assunto único é exacerbada pelo fato de que grupos animais que promovem essas campanhas frequentemente parabenizam exploradores que possam parar ou modificar alguma prática exploratória mas continuam a se empenhar em outras práticas relacionadas. Por exemplo, alguns defensores e defensoras apoiam ovos “caipiras” como a alternativa “socialmente responsável” aos ovos de granja tradicionais. Muitas grandes organizações de defesa animal patrocinam ou aprovam selos “humanos” que são colocados em produtos animais. Um proeminente eticista animal clama que ser um “onívoro consciente” é “uma posição ética defensível”. Isto passa uma mensagem moral muito clara e explícita: algumas formas de exploração animal são moralmente aceitáveis.

Além disso, campanhas de assunto único não apenas criam a falsa impressão de que algumas formas de exploração são qualitativamente diferentes em um senso moral que outras mas frequentemente resultam em falsas “vitórias”. Por exemplo, a campanha de assunto único na Califórnia contra o foie gras resultou em uma lei que foi na verdade apoiada pelo único produtor de foie gras na Califórnia porque ela o imunizou contra qualquer ação legal até 2012 e provavelmente vai ser rejeitada antes que seja posta em prática se a produção puder ser transformada para se tornar mais “humana.”

Então eu não sou muito fã de colocar tempo e dinheiro em campanhas de assunto único. Eu continuo afirmando que o nosso tempo, esforço e outros recursos são melhor alocados na promoção do veganismo. Enquanto mais de 99% do planeta acredita que comer alimentos animais e o consumo ou uso de produtos animais é aceitável, nós nunca conseguiremos fazer a mudança de paradigma que precisamos fazer se nós vamos mudar a noção de que seres humanos têm um direito moral de explorar não-humanos. Nós precisamos construir um movimento não-violento para a abolição que tenha o veganismo como sua base moral.

Mas isso não significa que nós não deveríamos nos opor a tipos de exploração em particular. Por exemplo, no último fim de semana, Eight Belles, que correu no Kentucky Derby, foi morta imediatamente após a corrida e na pista onde seus calcanhares cederam como resultado de uma corrida por uma duração e a uma velocidade para as quais ela não estava adequada. Eu fui entrevistado em um programa de rádio e fui perguntado sobre minhas visões a respeito de Eight Belles. Eu expliquei que eu me opunha a toda a corrida de cavalos mas como uma parte de minha visão geral de que seres humanos não têm qualquer justificativa moral para usar animais não-humanos, incluindo para alimentação. O apresentador do programa continuou a partir daí e falou como ele ama e se preocupa com seu cachorro mas participou de um churrasco no fim de semana passado no qual ele consumiu outros animais. Então, em uma questão de poucos minutos, a conexão entre corrida de cavalos e outras formas de exploração, particularmente o ato de comer produtos animais, foi feita.

Então quando nós discutimos e criticamos formas particulares de exploração, é importante deixar claro que nós enxergamos a prática particular como injustificável moralmente e não que nós achamos que a prática ou atividade possa melhorar se a regularmos para que se torne mais “humana”. E é crucial deixar claro que nossa oposição à prática ou atividade é parte de nossa oposição a todo o uso animal. Nós não devemos fugir de deixar claro que nós procuramos a abolição de toda a exploração animal.

Então, quando você se confrontar com uma prática ou atividade em particular e quer ou te pedem para comentar, você deve fazê-lo se estiver com disposição. Apenas deixe claro que a solução para o problema não é tornar a atividade ou prática mais “humana”, mas reconhecer que a prática é transparentemente frívola, assim como a maioria do uso de animais não-humanos, e deve ser abolida – assim como toda exploração animal deveria.

Aqui estão dois exemplos:

P: Eu estava lendo sobre foie gras. O jeito que fazem é terrível, não é?


R: Com certeza é. Mas não é realmente diferente de todo o resto que comemos. O bife que você comeu hoje, ou o copo de leite que você bebeu esta manhã, envolveu um processo de produção tão horrível quanto o foie gras. E nós não temos o direito de matar animais não-humanos só porque achamos que eles têm um gosto bom independentemente do jeito que os tratamos.

P: O circo está vindo para a cidade. O que você, advogado dos animais, acha sobre o uso de animais em circos?

R: Eu acho horrível. Nós impomos sofrimento e morte aos animais por mera diversão e isso é realmente incoerente com o que alegamos acreditar quando expressamos nossa concordância com a afirmação de que é errado infligir sofrimento “desnecessário” em animais. Mas usar animais em circos na verdade não é diferente de comer animais, o que é também algo que envolve nosso prazer ou diversão e é tão incoerente quanto com o que dizemos acreditar. Não há sentido no fato de que tratamos alguns animais não-humanos como membros de nossas famílias e enfiamos garfos em outros ou os torturamos para nosso prazer em circos, zoológicos ou rodeios.

Se você deve gastar seu tempo e energia em legislações envolvendo circos é outro assunto. Como eu disse, neste ponto do tempo, o contexto cultural é tal que faz bem mais sentido gastar nosso tempo com foco no uso de animais para comida, o qual é a prática primária que, com efeito, legitimiza outras formas de exploração. Mas se você realmente decidir fazer campanha contra circos, sua campanha deve, no mínimo, opor o uso de todos os animais em circos e não ter exceções, e deixar claro que circos não são melhores ou piores que outras formas de uso animal, todas as quais devem ser abolidas se nós queremos levar os animais a sério.

Gary L. Francione
© 2008 Gary L. Francione
Tradução: Coletivo Madu

Gary Francione - Educação Vegana Facilitada – Parte 1

Uma das coisas que eu ouço frequentemente é que educar pessoas, particularmente as estranhas, sobre veganismo, é difícil.

Pelo contrário, nossas interações diárias com as pessoas nos provêm com muitas oportunidades para discutir veganismo. Este ensaio vai discutir alguns exemplos. Eu discutirei mais exemplos em ensaios futuros.

Por exemplo, em Janeiro deste ano, eu tive que levar Robert, um de nossos cães, para uma especialista na Escola Veterinária da Universidade da Pensilvânia. Havia uma mulher – eu me referirei a ela como “Jane” para os propósitos deste ensaio mas este não era o nome real dela – sentada comigo na área de espera. Jane tinha um greyhound com ela. E, como sempre acontece quando dois seres humanos estão em tais lugares com suas companhias não-humanas, nós começamos a conversar sobre quais problemas de saúde nos trouxeram à universidade. E isso levou a como Jane adotou seu cão de um grupo de resgate e como o nosso cão foi achado vivendo debaixo de um carro abandonado.

Depois de um minuto ou dois de discutir o quão horrível a indústria de corrida de greyhounds é, eu disse a Jane que eu costumava lecionar na Universidade da Pensilvânia há muitos anos atrás, e que a universidade era notória pelos horríveis experimentos, testes e procedimentos “educacionais” que ela desenvolvia em cães e outros animais não-humanos. Ela disse que ela ouviu sobre os experimentos em animais da universidade e eu mencionei o quão estranho era que uma parte do prédio era devotada à aplicação de medicina veterinária para ajudar os animais que são amados por seres humanos e outra parte do prédio era devotada a torturar animais não-humanos que não eram membros da família de ninguém. Jane argumentou que realmente não fazia sentido que nós tratássemos alguns cães ou gatos como membros familiares e que tratássemos alguns cães e gatos como “ferramentas de pesquisa”.

“Verdade,” eu disse. “Mas de diversas formas, nós somos iguais a esses veterinários da universidade. Nós tratamos alguns animais como membros familiares e machucamos outros.”

Ela olhou espantada. “O que você quer dizer? Eu nunca machucaria um cão ou gato.” Eu movi a conversa para longe de cães e gatos e comecei a conversar sobre vacas, porcos e galinhas, e como na verdade não são diferentes de cães e gatos. Há algo muito estranho sobre o fato de que guardamos alguns animais não-humanos como membros familiares, como seres os quais amamos e reconhecemos como pessoas, enquanto, ao mesmo tempo, nós enfiamos garfos em outros animais que não são diferentes – moralmente ou empiricamente – daqueles que amamos.

Jane ficou em silêncio por um momento e então perguntou, “você é vegetariano?”

“Eu sou vegano”, eu respondi.

“Quer dizer que você nem mesmo bebe leite?” ela perguntou.

“Isso mesmo. Eu não como ovos, nem laticínios.”

“Eu posso compreender que alguém não coma carne. Mas o que há de errado com laticínios e ovos?”

“Tudo. Os animais usados para a indústria de leite ou de ovos são mantidos vivos por mais tempo que seus companheiros ‘de carne’, mas são tratados pior, e terminam no mesmo horrível matadouro.”

Jane parecia perturbada.

“Mas não é muito difícil ser vegano?” ela perguntou.

“Absolutamente não,” eu respondi. “É inacreditavelmente fácil e é melhor pra você e para o planeta, em adição a ser a coisa certa a se fazer se você considera animais não-humanos como membros da comunidade moral.” Eu gastei alguns minutes falando dos benefícios à saúde de uma dieta vegana e do desastre ecológico da pecuária.

Nossa conversa parou por aproximadamente 30 segundos e então Jane perguntou, “você pode me conseguir alguma informação sobre como me tornar vegana?”

“Claro. Me dê seu correio eletrônico.” Ela me deu.

Nós conversamos por mais alguns minutos sobre a grande variedade de comidas veganas que estão agora disponíveis, e Robert e eu fomos chamados para ver a veterinária. Jane já tinha ido quando nós saímos. Naquela tarde, eu mandei a Jane diversas coisas para ler sobre veganismo – todas sobre as questões morais, de saúde e ecológicas relacionadas ao veganismo, e alguma informação prática sobre nutrição e como fazer comida vegana rápida e fácil. Naquela noite, eu tive uma curta resposta, “Obrigada. Eu vou lê-los com interesse.”

Duas semanas atrás, eu recebi uma mensagem de Jane – o primeiro que eu recebi dela desde que mandei os materiais. Ela dizia, em parte: “Eu já estou aproximadamente 60% vegana e estou trabalhando pra chegar aos 100 %. Eu já me sinto melhor tanto em questão de meu espírito quanto de meu corpo. Eu estou usando a comida canina vegana que você recomendou e ela ama! Obrigada por dispor de seu tempo.”

Hospitais e consultórios veterinários são sempre ótimos lugares para começar conversas sobre veganismo. Pessoas estão focalizadas em sua companhia não-humana e estão emocionalmente muito abertas a pensar de forma mais abstrata sobre animais não-humanos de uma forma geral. Eu não posso me lembrar de estar em um consultório veterinário (e nós tivemos até sete cães resgatados de uma vez, então tivemos bastante experiência no consultório) onde eu não começasse uma conversa com alguém que desviasse para o veganismo.

Outro grande lugar para conversar sobre veganismo é em um avião.

Quando você pede algum tipo de refeição especial em um vôo, essas refeições são geralmente servidas primeiro. O comissário ou a comissária de bordo vem e pergunta se você pediu uma “refeição especial”. Eu sempre respondo “Sim, eu pedi uma refeição vegana sem quaisquer produtos animais.” Na maioria das vezes, a pessoa sentada ao meu lado, ou as duas pessoas sentadas em ambos os lados (se estou no assento do meio) me perguntam se eu tenho alergias ou porque eu pedi tal refeição. Isto, é claro, abre as portas para uma discussão sobre porque eu sou vegano. Dependendo do atraso entre receber minha refeição e a distribuição do resto, eu tive perto de 20% das pessoas com as quais eu converso perguntando para a comissária ou comissário se há outra refeição vegana quando o carrinho chega. (Na verdade, eu nunca começo a comer minha refeição até que o carrinho chegue, e, no momento em que isso acontece e não há refeição vegana extra, eu dou a minha com alegria para essa pessoa, o que ocorreu em várias ocasiões)

Algumas das melhores discussões que eu tive sobre direitos animais e veganismo aconteceram em aviões, particularmente em vôos transatlânticos. Você se prende ao lado de alguém por aproximadamente 7 horas e as pessoas estão frequentemente muito alegres de gastar pelo menos um pouco daquele tempo conversando com a pessoa sentada ao lado delas.

Uma das minhas histórias favoritas aconteceu há vários anos atrás. Eu estava a caminho de Paris sentado ao lado de uma mulher que tinha um casaco de peles. Ela não estava vestindo o casaco, mas o tinha com ela contra seu assento. Eu estava lendo minha cópia de Introdução aos Direitos Animais, sobre o qual, na época, eu estava pensando em fazer uma segunda edição e considerava mudanças que poderia fazer. O vôo estava atrasado ao deixar o Aeroporto de Newark, então tivemos alguma conversa fiada sobre vôos de conexão que tivemos em Paris. Ela viu meu livro e perguntou “este é um livro bom?” Eu sorri e disse que era um livro “excelente”! Ela me perguntou se eu era um “tipo dos direitos animais.” Eu respondi que era, e ela gastou os próximos 30 minutos (durante os quais ainda estávamos no portão) conversando sobre seus dois cães e quanto ela ia sentir a falta deles enquanto estivesse na viagem de negócios à França, etc.

E então ela levantou a questão do casaco de pele. Ela disse “meu casaco deve ofender você. Me desculpe.” Ela começou a explicar pra mim que era um casaco de raposa “criada em fazenda” e que os animais não eram pegos em armadilhas. Eu expliquei como animais “de fazenda” são tão torturados quanto os de armadilhas, mas eu argumentei que eu achava o casaco dela – fosse “criado em fazenda” ou pego em armadilhas – não mais ofensivo que um casaco feito de couro ou lã. Ele pareceu surpresa com isto. “Você não usa lã ou couro?” “Não,” eu respondi, “sou vegano.”

Eu gastei os próximos 15 minutos (ainda no portão) explicando o que é veganismo e assegurando a ela que o veganismo provém uma grande variedade de possibilidades alimentares excitantes e saudáveis, e é a escolha lógica para qualquer pessoa que se preocupa com animais não-humanos. Eu então sugeri a ela que as raposas que foram mortas para fazer o casaco não eram diferentes dos cães dos quais ela estava triste em deixar para trás em Nova Iorque por duas semanas. Nós então começamos a conversar sobre nossa “esquizofrenia moral”, que afeta e infecta nosso pensamento sobre animais não-humanos.

O avião decolou, o serviço de refeições começou, eu recebi minha refeição vegana e minha vizinha perguntou por uma refeição vegana extra a bordo. Havia uma refeição extra e ela a solicitou. Nós passamos as próximas horas conversando sobre direitos animais e veganismo e eu confessei ser eu o autor do livro sobre o qual ela havia perguntado!

Aproximadamente dois meses após aquele vôo, eu recebi uma mensagem dessa pessoa. Ela havia doado seu casaco de peles para um grupo animal que usaria em manifestações anti-pele e ela havia encomendado e lido Introdução aos Direitos Animais. Ela estava caminhando em direção ao veganismo, usando uma técnica que eu havia sugerido a ela onde ela desistiria de todos os produtos animais por uma refeição, então por duas, por três e então para todos os lanches. Outros dois ou três meses depois se passaram e ela me escreveu para dizer que estava completamente vegana.

Educação vegana é desafiadora. Vivemos em uma cultura na qual a maioria das pessoas presume sem pensar que consumir produtos animais é “normal” ou “natural”. Educação vegana é um trabalho que leva tempo; ela frequentemente requer trabalhos individuais e demandam uma boa quantidade de tempo.

Mas a vida diária nos apresenta com todos os tipos de oportunidades para educar as outras pessoas e as oportunidades mais efetivas são trocas calmas e amigáveis entre dois seres humanos pensantes.

E cada pessoa que se torna vegana é uma contribuição vital para a revolução não-violenta que vai eventualmente mudar o paradigma de animais como propriedade para animais como pessoas.

Gary L. Francione
© 2008 Gary L. Francione
Tradução: Coletivo Madu