PETA E A CULTURA PORNOGRÁFICA
Uma Análise Feminista de “Eu Prefiro Ir Nua do que Usar Pele”
por Carol Adams
Tradução: Coletivo Madu
Muitas de nós em Feministas pelos Direitos Animais temos fortes sentimentos pela campanha publicitária do PETA, e eu quero dividir algumas das preocupações que surgem de alguém como eu, posicionada simultaneamente no movimento feminista e no movimento de defesa animal.
1. Uma conexão existe entre o tratamento de mulheres e o tratamento de animais. Esta conexão é basicamente um processo epistemológico no qual um sujeito se conhece através da objetificação de outros. Filosoficamente falando, epistemologia se refere a como nós sabemos o que sabemos e como ganhamos conhecimento. Uma epistemologia patriarcal responde à diferença (como raça, sexo, espécie) rotulando aquelas e aqueles que são diferentes como “outros”, e então objetificando quem são “outros”, de modo que sejam usados instrumentalmente. Ecofeministas chamam isto de uma “hierarquia de valores”, no qual o poder é inscrito sobre quem possui menos valor e este indivíduo é, portanto, visto como tendo menos valor. Uma feminista cunhou o termo “somatofobia” para se referir à hostilidade ao corpo. Em nossa cultura, o corpo tem menos valor que a mente ou a alma; logo, qualquer pessoa igualada com o corpo irá também ser não valorizada ou sub-valorizada. Este conceito nos ajuda a reconhecer o relacionamento entre diferentes formas de opressão: aqueles e aquelas igualadas com corpos (como pessoas de côr, animais e mulheres) ao invés de mentes ou almas (como pessoas brancas, seres humanos e homens) são oprimidas em nossa cultura por causa desta equação com o corpo e com umas às outras.
2. O problema é que este processo epistemológico, se sucedido, se torna invisível, e nós pensamos que estamos debatendo ontologia. Em outras palavras, o debate é mantido no nível de quem somos (ontologia) ao invés de como nós adquirimos o conhecimento de quem nós somos. Deixe-me dar um exemplo específico ao movimento de direitos animais. Algumas pessoas realmente vêem animais como “carne”: “para que outra coisa eles existem?” elas pensam, “eles existem para serem nossa carne”. Como sabemos, não há nada intrínseco à existência de um animal que o faz “carne”; é a posição do conhecimento de alguns seres humanos que os vê desta forma. Uma maneira ecofeminista de colocar isto é que quem está “acima” na hierarquia de valores, neste caso seres humanos, vê aqueles e aquelas que estão “abaixo”, neste caso animais, como usáveis, e desta visão vem a conclusão de que isto é o porquê de animais existirem: para serem de uso.
3. É também o mesmo processo epistemológico que vê corpos de mulheres pornograficamente. Pornografia foi historicamente uma maneira de homens instituírem seu estatuto de sujeito tendo outros que têm o estatuto de objetos. Como Susanne Kappeler diz em A Pornografia da Representação, a subjetividade dominante na cultura patriarcal é construída através da objetificação de outros. Aqui está um exemplo deste tipo de análise, uma análise clássica por Laura Mulvey do que é chamado o olhar masculino: “Em um mundo ordenado por desequilíbrio sexual, o prazer em observar foi dividido entre ativo/masculino e passivo/feminino. O olhar determinante masculino (humano) projeta sua fantasia sobre a figura da fêmea (humana), que é estilizada de acordo. Em seu tradicional papel exibicionista, mulheres são simultaneamente fitadas e expostas, com sua aparência codificada para forte impacto visual e erótico para que possa ser dito que elas conotam “fitabilidade”. Esta dificuldade em perceber o quanto a subjetividade confia nesta “fitabilidade” também explica a atração de uma campanha “nua”, porque ela vai ter atenção da mídia, já que a mídia é a fonte primária de encorajamento da “fitabilidade” da mulher. Esta dificuldade em perceber como a subjetividade dominante confia nesta “fitabilidade” também explica os problemas inerentes ao debate da campanha “nua” - algumas pessoas o vêem de uma forma, enquanto outras a vêem de outra. Em outras palavras, porque o epistemológico permanece invisível nós terminamos debatendo o ontológico.
4. Dada esta análise, a campanha “eu prefiro ir nua do que usar pele” é intrinsicamente problemática, provocando um debate de meios/fins entre nós. Mas a reviravolta adicional que ocorre com o anúncio da Pati Davis não é somente sua aliança com a Playboy, a qual fez o mal a mulheres através da pornografia um entretenimento de homens (porque ela leva adiante a objetificação da mulher, e reproduz dominação sexualizada), mas a preocupação especifica da bestialidade e a associação de Hugh Heffner com esta forma de pornografia. Sobre isto, ver Linda Lovelace, Ordeal, especificamente a p. 194: “Então Heffner disse que apesar de ele gostar de Garganta Profunda, ele estava mais interessado pelo filme que eu faria com um cachorro (sexo forçado por seu marido violento descrito nas páginas 105-113)”.
“Oh, você viu aquilo?” Chuck (seu marido violento) disse. “Oh aquilo foi ótimo,” Heffner disse, “Você sabe que nós já tentamos várias vezes, tentamos colocar uma garota e um cão juntos, mas nunca funcionou.” “Sim, isso pode ser bem complicado,” Chuck disse, “a mina tem que saber o que ela está fazendo.” “Isso é algo que eu gostaria de ver,” Heffner disse, “Eu acho que vi todo filme de animal (sic) já feito mas–”. Então Chuck oferece Linda como uma participante “voluntária”.
E então nós voltamos à minha primeira premissa, de que há uma conexão entre o tratamento das mulheres e o tratamento dos animais. Neste caso, o ponto de interseção é o uso pornográfico da bestialidade, no qual aquelas e aqueles de nós de atividade no movimento contra violência contra mulheres sabemos que é frequentemente uma ocasião para violentadores/estupradores maritais forçarem sexo entre um animal e sua parceira feminina. Eles tentam reproduzir a pornografia que consomem.
Nossa reclamação não é apenas a nº 4, por exemplo, que esta campanha publicitária – para qualquer pessoa com conhecimento do testemunho de Linda Lovelace – dá dicas de associação de Hugh Heffner com bestialidade, mas mais compreensivelmente o encontrado teoricamente na minha primeira premissa: que o nº 4 é inevitável por causa da posição epistemológica da objetificação. Vamos deixar isto claro. O problema não é que o PETA falha em reconhecer a interconexão do tratamento dos animais e o tratamento das mulheres. O problema é que, ao menos que reconheçam violência sexual masculina e como esta objetificação toma lugar perante o patriarcado, não vão verdadeiramente entender a violência contra animais.
Para um projeto no qual eu estou trabalhando sobre pornografia e animais, eu estive conversando com feministas que fazem campanha contra a pornografia ao redor do país. O que eu achei fascinante é que, apesar de eu não poder presumir que uma feminista, só porque ela é feminista, leu As Políticas Sexuais da Carne, eu tenho segurança em presumir que feministas anti-pornografia o leram. Como o reconhecimento do meu trabalho estava acontecendo, quando eu ligava para feministas eu não sabia perguntar a elas sobre o que elas acham que está acontecendo com pornografia que apresenta animais, me fez perceber que estes grupos de feministas realmente compreendem e entendem como o processo de objetificação afeta animais, sobre o que nós ativistas dos direitos animais tentamos educar as pessoas. Eu descobri uma afinidade entre sua análise e nossa análise. Esta é uma razão pela qual a campanha “nua” é tão perturbadora: um grupo aliado, muito familiarizado com a experiência de Linda Lovelace, é agora apresentado com uma campanha que anuncia que direitos animais não compreendem a objetificação de mulheres em geral, e especificamente sobre a origem do patriarcado na opressão de animais. Isto, para mim, é muito triste.
----------------------------------------------------------------
Alguns exemplos das campanhas do Peta:
sadiefrost_peta.jpg (imagem JPEG, 450x604 pixels)
Peta-0.jpg (imagem JPEG, 400x518 pixels)
eva-mendes-peta-ad-01.jpg (imagem JPEG, 400x522 pixels)
-----------------------------------------------------------------
Mais sobre Linda Lovelace:
“A Verdadeira Linda Lovelace”, de Gloria Steinem
http://feminista.wordpress.com/2006/12/