domingo, 18 de maio de 2008

Gary Francione - Educação Vegana Facilitada – Parte 2

Recentemente me perguntaram a seguinte questão: “O que se diz a pessoas que são veganas e que educam outras sobre veganismo mas que também estão preocupadas quanto a circos, caça e outras formas particulares de exploração animal? Você aconselha que elas nem mesmo toquem nesses assuntos e simplesmente foquem em veganismo?”

É claro que não.

Certamente é verdade que eu não aconselho que defensoras e defensores gastem seu tempo e recursos em uma campanha de assunto único. A razão é simples: campanhas de assunto único invariavelmente passam a impressão de que algumas formas de exploração animal são moralmente diferenciáveis de outras e são piores e deveriam ser abordadas separadamente para uma crítica especial. Por exemplo, uma campanha contra o uso de peles passa a impressão de que há alguma diferença moralmente relevante entre pele e outras formas de vestimenta animal, como couro ou lã. Uma campanha contra o consumo de carne animal passa a impressão de que comer carne é moralmente mais deplorável que beber leite ou comer ovos. Uma campanha contra ovos de granjas tradicionais sugere que ovos “caipiras” são moralmente desejáveis.

Este problema é inerente com campanhas de assunto único em uma sociedade em que a exploração animal é tida como normal. Se X, Y e Z são todas consideradas práticas normais em uma sociedade e estão fortemente relacionadas, então uma campanha contra X, mas não contra Y e Z, sugere que há alguma diferença relevante entre X de um lado e Y e Z de outro. Por exemplo, vivemos em uma sociedade na qual é considerado normal ou “natural” comer carne animal e outros produtos animais. Uma campanha que foque em carne passa a impressão de que há uma diferença moral entre carne e outros produtos animais, o que não é o caso. A prova disto é encontrada no fato de que muitas pessoas envolvidas na causa animal são vegetarianas mas não veganas. Se elas vêem distinção, então o que podemos esperar do público em geral?

Esta situação deve ser diferenciada de uma em que X, Y e Z são todas resguardadas como atividades ou práticas objetáveis. Por exemplo, todas e todos nós reconhecemos genocídio como uma coisa ruim, esteja ele acontecendo em Darfur, Somália ou Bósnia. Se nós temos uma campanha para parar o genocídio em Darfur, isto não significa que nós achamos que o genocídio em outros lugares é aceitável. Nós reconhecemos o estupro e a pedofilia como moralmente objetáveis. Uma campanha contra um não implica qualquer aprovação tácita do outro ou qualquer visão que um é moralmente diferençável do outro.

Este problema inerente com campanhas animais de assunto único é exacerbada pelo fato de que grupos animais que promovem essas campanhas frequentemente parabenizam exploradores que possam parar ou modificar alguma prática exploratória mas continuam a se empenhar em outras práticas relacionadas. Por exemplo, alguns defensores e defensoras apoiam ovos “caipiras” como a alternativa “socialmente responsável” aos ovos de granja tradicionais. Muitas grandes organizações de defesa animal patrocinam ou aprovam selos “humanos” que são colocados em produtos animais. Um proeminente eticista animal clama que ser um “onívoro consciente” é “uma posição ética defensível”. Isto passa uma mensagem moral muito clara e explícita: algumas formas de exploração animal são moralmente aceitáveis.

Além disso, campanhas de assunto único não apenas criam a falsa impressão de que algumas formas de exploração são qualitativamente diferentes em um senso moral que outras mas frequentemente resultam em falsas “vitórias”. Por exemplo, a campanha de assunto único na Califórnia contra o foie gras resultou em uma lei que foi na verdade apoiada pelo único produtor de foie gras na Califórnia porque ela o imunizou contra qualquer ação legal até 2012 e provavelmente vai ser rejeitada antes que seja posta em prática se a produção puder ser transformada para se tornar mais “humana.”

Então eu não sou muito fã de colocar tempo e dinheiro em campanhas de assunto único. Eu continuo afirmando que o nosso tempo, esforço e outros recursos são melhor alocados na promoção do veganismo. Enquanto mais de 99% do planeta acredita que comer alimentos animais e o consumo ou uso de produtos animais é aceitável, nós nunca conseguiremos fazer a mudança de paradigma que precisamos fazer se nós vamos mudar a noção de que seres humanos têm um direito moral de explorar não-humanos. Nós precisamos construir um movimento não-violento para a abolição que tenha o veganismo como sua base moral.

Mas isso não significa que nós não deveríamos nos opor a tipos de exploração em particular. Por exemplo, no último fim de semana, Eight Belles, que correu no Kentucky Derby, foi morta imediatamente após a corrida e na pista onde seus calcanhares cederam como resultado de uma corrida por uma duração e a uma velocidade para as quais ela não estava adequada. Eu fui entrevistado em um programa de rádio e fui perguntado sobre minhas visões a respeito de Eight Belles. Eu expliquei que eu me opunha a toda a corrida de cavalos mas como uma parte de minha visão geral de que seres humanos não têm qualquer justificativa moral para usar animais não-humanos, incluindo para alimentação. O apresentador do programa continuou a partir daí e falou como ele ama e se preocupa com seu cachorro mas participou de um churrasco no fim de semana passado no qual ele consumiu outros animais. Então, em uma questão de poucos minutos, a conexão entre corrida de cavalos e outras formas de exploração, particularmente o ato de comer produtos animais, foi feita.

Então quando nós discutimos e criticamos formas particulares de exploração, é importante deixar claro que nós enxergamos a prática particular como injustificável moralmente e não que nós achamos que a prática ou atividade possa melhorar se a regularmos para que se torne mais “humana”. E é crucial deixar claro que nossa oposição à prática ou atividade é parte de nossa oposição a todo o uso animal. Nós não devemos fugir de deixar claro que nós procuramos a abolição de toda a exploração animal.

Então, quando você se confrontar com uma prática ou atividade em particular e quer ou te pedem para comentar, você deve fazê-lo se estiver com disposição. Apenas deixe claro que a solução para o problema não é tornar a atividade ou prática mais “humana”, mas reconhecer que a prática é transparentemente frívola, assim como a maioria do uso de animais não-humanos, e deve ser abolida – assim como toda exploração animal deveria.

Aqui estão dois exemplos:

P: Eu estava lendo sobre foie gras. O jeito que fazem é terrível, não é?


R: Com certeza é. Mas não é realmente diferente de todo o resto que comemos. O bife que você comeu hoje, ou o copo de leite que você bebeu esta manhã, envolveu um processo de produção tão horrível quanto o foie gras. E nós não temos o direito de matar animais não-humanos só porque achamos que eles têm um gosto bom independentemente do jeito que os tratamos.

P: O circo está vindo para a cidade. O que você, advogado dos animais, acha sobre o uso de animais em circos?

R: Eu acho horrível. Nós impomos sofrimento e morte aos animais por mera diversão e isso é realmente incoerente com o que alegamos acreditar quando expressamos nossa concordância com a afirmação de que é errado infligir sofrimento “desnecessário” em animais. Mas usar animais em circos na verdade não é diferente de comer animais, o que é também algo que envolve nosso prazer ou diversão e é tão incoerente quanto com o que dizemos acreditar. Não há sentido no fato de que tratamos alguns animais não-humanos como membros de nossas famílias e enfiamos garfos em outros ou os torturamos para nosso prazer em circos, zoológicos ou rodeios.

Se você deve gastar seu tempo e energia em legislações envolvendo circos é outro assunto. Como eu disse, neste ponto do tempo, o contexto cultural é tal que faz bem mais sentido gastar nosso tempo com foco no uso de animais para comida, o qual é a prática primária que, com efeito, legitimiza outras formas de exploração. Mas se você realmente decidir fazer campanha contra circos, sua campanha deve, no mínimo, opor o uso de todos os animais em circos e não ter exceções, e deixar claro que circos não são melhores ou piores que outras formas de uso animal, todas as quais devem ser abolidas se nós queremos levar os animais a sério.

Gary L. Francione
© 2008 Gary L. Francione
Tradução: Coletivo Madu

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