Em 1888, a Princesa Isabel assinava a Lei Áurea, dando um fim oficial à escravidão negra no Brasil. Durante vários séculos, foi considerado normal explorar pessoas que fugiam do padrão adotado pela sociedade, a pele branca. A presença de alta quantidade de melanina na pele era o critério adotado para que uma pessoa recebesse o estatuto de propriedade, sujeita a qualquer forma de uso por seu senhor. Quem fugia deste padrão recebia o rótulo de “inferior”, indigno de respeito ou consideração. Trabalhos forçados, tortura, estupro e assassinato de quem possuía grande quantidade de melanina na pele foram permitidos legalmente e aceitos socialmente. Esforços do movimento de direitos humanos conseguiram conscientizar a população e mudar este quadro. Apesar do racismo persistir até hoje, não é mais válido que a cor da pele seja usada como desculpa para negar a liberdade de uma pessoa.
Abolimos a escravidão negra, mas não eliminamos o escravismo de nossas vidas. A escravidão achou um jeito de sobreviver, nos enganando à adoção de outro critério. Atualmente, é aceito que o não pertencimento à espécie Homo sapiens sapiens seja um bom motivo para estabelecer o estatuto de propriedade a uma pessoa e condená-la à submissão. Convivemos diariamente com a escravidão de animais não-humanos. Os outros animais estão sujeitos a trabalhos forçados, tortura, estupro e assassinato nas mãos dos seres humanos. Quando o desrespeito é imposto a um animal, a resposta é a mesma, seja este um animal humano ou não-humano. No reino animal, o sofrimento é universal. No entanto, o antropocentrismo afirma que a dor e o sofrimento dos outros animais não é tão relevante quanto estas em seres humanos. Na verdade, não há diferença fundamental entre os animais no que diz respeito à sua forma de reação à opressão.
É verdade que todos os seres vivos, sejam eles plantas, fungos, bactérias, protozoários ou animais, possuem o interesse natural de permanecerem com vida. Entretanto, a ciência nos mostra que há nos animais, em adição a este interesse natural, o interesse senciente. Em algum momento da evolução, nós e os outros seres classificados dentro do reino Animalia fomos agraciados com a habilidade única de sermos sujeitos de uma vida. Todos os animais são iguais na propriedade de consciência e na capacidade de experimentar sensações, e estas características nos unem no desejo de viver livre de opressão. A senciência pode variar em maior ou menor grau entre suas diversas espécies, mas está presente em todos os animais.
Mas assim como todo animal, precisamos de alimento, de abrigo e de proteção, e isso nos obriga a tirar vidas. Entretanto, nosso onivorismo, em conjunto com nossa ética, nos dá o poder de escolher qual vida devemos tirar, a de um ser não senciente, dotado apenas do interesse comum a todos, ou a de um ser senciente, dotado de um interesse senciente adicional. O princípio ético do menor mal nos obriga a escolhermos o primeiro e pouparmos o segundo. A despeito disso, muitas vezes escolhemos retirar a vida de um animal, por motivos que não podem ser validados eticamente.
É dito que somos “superiores” por possuirmos inteligência e racionalidade. Entretanto, além disto não ser motivo suficiente, este não é um fato. Crianças recém nascidas e seres humanos com incapacidades mentais severas não possuem a inteligência ou a racionalidade de um gorila, capaz de até mesmo aprender a linguagem humana de sinais, mas isto não nega o pertencimento destas pessoas à comunidade moral. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que não medimos esforços para a proteção de crianças, ignoramos seres com tanta ou maior capacidade cognitiva quanto elas. A verdade não pode ser escondida: o único motivo utilizado para justificar o uso dos outros animais é o de não pertencerem à nossa espécie, um motivo tão arbitrário quanto a cor da pele. Esta forma de discriminação é denominada especismo, e é tão condenável quanto qualquer outra forma de preconceito. A exemplo dos direitos humanos, o movimento de direitos animais busca mudar esse paradigma.
Seres humanos usufruem dos espólios da escravidão animal. Nos alimentamos com escravidão, nos vestimos com escravidão, praticamos experimentos com escravidão, e nos divertimos com escravidão. Somos nós que escravizamos – cada indivíduo entre nós. Somos nós que construímos a estrutura que permite que a foice escravagista ceife vidas. Ao consumirmos produtos oriundos de exploração animal, estamos dando nossa aprovação para que estas práticas continuem. Nós podemos fazê-las cessarem, se assim desejarmos. Nossa união pode dar fim às jaulas, a todas elas, seja onde forem. Veganismo é a recusa de qualquer prática derivada de opressão animal, através do vegetarianismo estrito e do boicote a indivíduos e organizações que usam animais para qualquer fim. Veganas e veganos decidem fazer parte de um mundo novo, justo e igualitário, onde qualquer suposta “superioridade” é eliminada. Somos iguais, independente de raça ou espécie.
A alforria animal está em nossas mãos. Sonhamos com o dia em que não aceitemos mais que a espécie à qual uma pessoa pertence seja usada como desculpa para negar sua liberdade, um sonho cada dia mais perto de ser realizado. Cada pessoa que se junta à luta pela libertação animal é mais um tijolo nas muralhas que nos separam das prisões do preconceito. Eu eliminei a escravidão de minha vida, e você também pode. Ajude a construir a liberdade. Tenha um feliz Dia Mundial Vegano.
Dano
Coletivo Madu